24 maio 2010

MANIFESTO DO FÓRUM DE LIDERANÇAS NEGRAS EVANGÉLICAS

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Não havendo profecia, o povo se corrompe”. (Provérbios 29.18)

Somos afrodescendentes e evangélicos sim, membros do corpo de Cristo, Senhor da Igreja. Nós aqui chegamos na condição de escravos. Nosso país recebeu o maior número de escravos em relação aos demais países na América Latina e foi o último país a abolir a escravidão negra. Na história da humanidade não se tem registro de uma escravidão tão longa e cruel quanto à do negro no Brasil. Fomos desrespeitados ao longo da história, reprimidos e massacrados em nossos valores religiosos. No mesmo barco que veio o colonizador veio o evangelizador. Colonizar significava evangelizar. Esta evangelização, no princípio foi representada pelo catolicismo e, mais tarde, pelo protestantismo. A expressão religiosa do negro passou a ser associada à coisa do demônio. Nos evangelizavam, sem no entanto nos considerar como sujeitos do processo de evangelização. Quase tudo nos foi negado ao longo destes séculos de conquista e colonização. Jamais, porém, conseguiram apagar em nós a esperança.

Somos afrodescendentes e evangélicos sim, congregados de diversas igrejas protestantes. Sabemos que as igrejas históricas foram as primeiras denominações protestantes a chegarem no Brasil através dos imigrantes, e depois pelos missionários estrangeiros. Essas igrejas chegaram no período da escravidão. Dentro delas havia os que buscavam reproduzir o modelo escravocrata firmado em um discurso teológico, e não conseguiam ver a incompatibilidade entre escravidão e fé cristã. Estes eram os missionários que vieram do sul dos Estados Unidos, ainda com ressentimentos da derrota na guerra da Secessão contra o Norte pela libertação dos escravos. A grande maioria desses primeiros protestantes quando não escravistas eram omissos. Eles também defendiam a sua posição teologicamente, afirmando que a Igreja não devia interferir no Estado. Além disso, havia a divisão arbitrária entre o espiritual e o material, entre o corpo e a alma, pensamento que até hoje permanece em muitas igrejas. Reconhecemos também a existência dos abolicionistas: eram em sua maioria missionários do norte dos Estados Unidos, europeus, e um pequeno grupo de convertidos brasileiros.

Somos afrodescendentes e evangélicos sim, e lamentamos que os missionários que aqui chegaram no período da escravidão vieram para fazer missões, ganhar a elite brasileira e constituir suas igrejas. Só se manifestaram a favor da abolição quando o Brasil inteiro já estava convencido do seu fim, uma tragédia para quem devia transformar a sociedade. Mesmo os que tinham uma postura defensora dos direitos humanos e da abolição do escravismo na Inglaterra e nos EUA, ao chegarem no Brasil acomodaram-se ao ambiente escravista e quase nada fizeram com repercussão pública, em favor dos escravos. A Igreja Evangélica jamais chegou a defender oficialmente sua posição em relação à escravidão no Brasil. Se passaram mais de 100 anos e as Igrejas continuam com seu silêncio covarde e pecaminoso diante da realidade de opressão e racismo na qual se encontram os afrodescendentes.

Somos afrodescendentes e evangélicos sim, pois em meio ao sentimento de dor, tristeza e indignação, enchem-nos de esperança as experiências de Deus em Jesus Cristo, através das quais vivemos a nossa fé como negros e negras. Não queremos apenas lamentar, é tempo de profetizar e denunciar, mas também de proclamar que a Igreja Evangélica brasileira só poderá viver verdadeiramente a sua Missão Integral se contemplar a questão do afrodescendente. Temos a convicção de que estamos vivendo tempos da manifestação de Deus entre nós e entendemos que os cristãos foram postos no mundo para ser a consciência da sociedade. A Igreja tem de ser a voz que fará a diferença no mundo descendo até os excluídos, como resultado da tragédia da escravidão e marginalização. É preciso sim que os afrodescendentes recebam um tratamento diferenciado porque foi assim que Deus fez a Israel quando foi escravo no Egito.

Somos afrodescendentes e evangélicos sim, e compreendemos que a verdadeira espiritualidade do povo de Deus se expressa em sua integralidade. A igreja que proclama as boas novas do reino deve ser a mesma que estende a mão ao necessitado. Vimos por esse meio apelar ao II Congresso Brasileiro de Evangelização – CBE2 que dê um basta na omissão da Igreja Evangélica brasileira e quebre o silêncio dos púlpitos com a temática negra e que não fique só nas palavras, nos sermões e nas declarações, mas também através de ações concretas: programas, campanhas, ações afirmativas e reparações. E juntos vamos “Proclamar o reino de Deus, vivendo o evangelho de Cristo”.

Fórum de Lideranças Negras Evangélicas

Belo Horizonte, 27 de outubro de 2003

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